Meios de pagamento: Análise financeira de 38 fintechs brasileiras

7 de janeiro de 2021 | Análise financeira, Análise Setorial, Inteligência Competitiva

O Brasil é um país enorme e historicamente sempre teve pouca concorrência no mercado financeiro. Com o advento das novas tecnologias, os grandes players não acompanharam a inovação no mesmo ritmo que as startups. Assim surgiu o fenômeno das fintechs: empresas jovens do setor financeiro com altíssimo crescimento posicionadas em mercados altamente escaláveis. Neste contexto, nos últimos anos vimos acontecer uma revolução dos meios de pagamento. Centenas de empresas fornecendo cartões de crédito ou de benefícios, proliferação de marcas de maquininhas de cartão de crédito e empresas que surgiram há poucos anos assumindo o protagonismo do segmento. E agora o PIX, que promete alterar consideravelmente a dinâmica deste mercado.

Para entendermos melhor o setor de meios de pagamento, fizemos um dashboard de análise financeira, de forma minuciosamente segmentada utilizando demonstrações financeiras de empresas com capital fechado. Abaixo você consegue utilizar o mesmo (para melhor visualização, clique aqui). Utilizamos este painel para fazer as análises deste relatório.

E agora temos uma nova tecnologia muito importante prometendo chacoalhar todas as estruturas consolidadas do setor: o PIX. O que será que vai ocorrer com os meios de pagamento agora que este facilitador chegou?

São perguntas realmente difíceis de se responder sem ter acesso a demonstrações financeiras de empresas de meios de pagamento. Neste relatório, nós da Klooks trazemos mais clareza sobre esta atividade tão relevante nos dias de hoje.

Como funciona esse segmento? Quais tipos de empresas podem ser consideradas meios de pagamento?

Diferentes fontes terão diferentes versões. Nós optamos por subdividir o setor da seguinte maneira:

  • Cartões: Empresas especializadas em operacionalizar compras através de cartões. Nós subdividimos este segmento em “Crédito/Débito” (utilizados para pagamentos normais do dia-a-dia) e “Benefícios” (para gerir planos de benefícios empresariais e gastos no trabalho).
  • AdquirentesSão as empresas que operacionalizam as operações financeiras dando ou não o aceite nas operações. As empresas mais conhecidas são Cielo, Stone, Rede e GetNet.
  • Sub-adquirentes: São empresas credenciadas pelas adquirentes a utilizarem os seus serviços para rodar processos de pagamento. Na prática distribuem os serviços dos adquirentes utilizando uma marca própria. São intermediadoras de pagamentos e geralmente focam o atendimento à lojas de menor porte e negócios online. Alguns exemplos são PagSeguro, MercadoPago, Pagar.me, Zoop entre outros.
  • GatewaysUm gateway é um sistema que está integrado com diversos bancos, operadores de cartões (Itaúcard, Ourocard, Bradescard, etc) e adquirentes e viabiliza que a operação de venda seja realizada debitando da conta do comprador e creditando na conta do vendedor. Os sub-adquirentes geralmente já possuem gateways integrados, que permitem o processamento da transação, mas também tem hardware próprio (maquininha). Já os gateways puros são somente software para processamento de operações.

É um setor composto só de startups ou existem empresas consolidadas?

Existem muitas startups mas também empresas antigas e consolidadas, a incidência de cada uma vai depender do segmento. Existem diversos critérios para definir uma startup, nós optamos por usar o mais simples: fintechs que nasceram depois de 2010. Não é perfeito mas entendemos que atende o propósito aqui.

Adquirentes: 50% startups

Este hall da fama é formado por poucas empresas e a maioria empresas antigas. A única startup é a Stone Pagamentos, que nasceu em 2012. As demais são empresas como Cielo, Redecard e GetNet.

Sub-adquirentes: 85% startups

Há alguns anos tínhamos um cenário onde pequenos varejistas e prestadores de serviços não tinham máquina de cartão de crédito. Essa democratização ocorreu impulsionada pelos subadquirentes que passaram a desenvolver máquinas de baixo custo fazendo este recurso chegar muito mais longe. Hoje vemos quase todos taxistas, ambulantes e feirantes oferecendo o pagamento no cartão de crédito, o que não acontecia antes.

Como havia um grande mercado não aproveitado pelos adquirentes e bancos, tivemos uma proliferação de startups nos últimos anos para atender essa parcela “esquecida” do mercado. Pagar.me, Zoop, PicPay, Pinbank, BePay são algumas das startups expoentes deste segmento que tem a Pagseguro como principal player.

85% das empresas deste segmento são startups. Não é a toa que é o que mais cresce (o crescimento anual mediano é de 70%, como veremos abaixo).

Gateways: 100% startups

É um mercado que até pouco tempo atrás nem existia. Nasceu a partir de uma necessidade dos  e-commerces e por isso é composto unicamente de startups.

Cartões (crédito/débito e benefícios): 40% startups

Da mesma forma que nos sub-adquirentes, havia um mercado enorme de pessoas que não tinha cartão de crédito e os bancos não davam atenção. NuBank antes de ser um banco digital completo era somente um cartão de crédito/débito, não oferecia conta corrente. Acredito que foram eles os grandes precursores desse movimento, desenvolvendo uma solução onde rapidamente e sem burocracia se obtinha um cartão. Depois vieram soluções diferentes e mais nichificadas, cada vez mais se aproveitando das lacunas deixadas pelos grandes players.

Além dos cartões de crédito/débito, também começaram a surgir novas empresas de cartões benefício, indo na mesma lógica de aproveitamento de lacunas de mercado se aproveitando de espaços onde VR, Ticket, Alelo, etc não estavam aproveitando.

Quais as taxas de crescimento?

O setor de meios de pagamento como um todo apresenta 28% de crescimento mediano. Não por acaso, os nichos com maior incidência de startups são os que mais crescem.

Sub-adquirentes: campeões com 71% de crescimento

Sub-adquirentes são um segmento relativamente jovem dentro de meios de pagamento e vive uma corrida por captação de clientes não atendidos por adquirentes e/ou bancos. É um mercado enorme, altamente escalável e com fundos de venture capital inundando o segmento com dinheiro numa disputa pelo domínio de mercado. Destaques:

PicPay

Receita Líquida pulou de 16 milhões para 91 milhões de um ano para o outro. Crescimento de 475%. Neste link disponibilizamos o balanço completo.

Zoop

Caso parecido com a PicPay, Receita Líquida foi de 9 milhões para 49 milhões de um ano para o outro, representando um crescimento de 428%. Balanço disponível neste link.

Adquirentes: segmento já está consolidado ou tem espaço para novos players? 

É um terreno com maiores barreiras de entrada, mas não quer dizer que não tenha espaço para novos players. O player mais recente desse mercado é a Adiq, a qual vem experienciando fortíssimo crescimento.

Adiq

Crescimento de impressionantes 2880%, indo de 272 mil de receita líquida para 8.1 milhões. Entendemos que esta empresa, que une os esforços de Banco BS2Adyen, saiu de um estágio pré-operacional ou próximo disso, para se tornar efetivamente uma empresa com faturamento consistente, numa linha de trabalho de “adquirência-as-a-service”. Aqui você consegue ver o balanço oficial da empresa.

As empresas geram caixa ou precisam ficar captando recorrentemente? 

Naturalmente o cenário é completamente diferente quando olhamos empresas de meios de pagamento consolidadas e startups. As empresas consolidadas em geral não precisam captar dinheiro e não possuem um “runway” (tempo de vida caso não capte dinheiro no mercado). No entanto, quando olhamos para startups o cenário é bem diferente, a maioria delas é deficitária e necessita captar dinheiro com frequência. Abaixo startups com burn rate:

Global Payments

O caso mais crítico no momento em que as informações foram captadas era da Global Payments, adquirente startup americana, que contava com, pelos nossos cálculos, aproximadamente 1 mês e 10 dias de dinheiro em caixa. No entanto a empresa tem a vantagem de ser subsidiária de uma empresa altamente capitalizada (a matriz americana conta com 1.7 bi de dólares em caixa).

Credz

Em segundo lugar a Credz, startup de cartões de crédito/debito trabalhando com um runway de aproximadamente 2 meses (EBITDA de -55m/ano e caixa de 7m de reais). Aparentemente esse cenário faz parte do “custo do crescimento”, uma vez que a empresa vem crescendo consideravelmente ano após ano.  Neste link balanço completo.

What the PIX is that? Como essa tecnologia irá impactar o futuro do setor de meios de pagamento?

O PIX é um sistema de pagamentos instantâneos e de baixo custo criado pelo Banco Central, que vem para concorrer com as TEDs, DOCs, cartões de débito e boletos. Como se debita diretamente da conta bancária, não aparenta ser uma ameaça para o cartão de crédito ainda, mas não sabemos o que pode ocorrer nos próximos anos nem quais tecnologias vão ser desenvolvidas em cima da plataforma PIX, especialmente quando ele estiver combinado com o Open Banking, novo pacote de tecnologias que o Banco Central provavelmente irá lançar nos próximos anos. Com um alto grau certeza se pode afirmar que novas soluções surgirão e novas startups emergirão trazendo novos produtos com PIX por trás.

Um estudo da consultoria alemã Roland Berger estima que o mercado de adquirência pode deixar de arrecadar R$ 13bi / ano com a entrada do PIX. Numa operação de débito normal o dinheiro sai da conta de destino, passa pelo emissor do cartão, adquirente, bandeira e processador e depois chega na conta de destino. São diversos intermediários no meio do caminho aumentando substancialmente o custo da operação. Com o PIX o dinheiro sai da conta de origem, passa pelo sistema PIX e pelo SPI (Sistema de Pagamentos Instantâneos) e chega na conta de destino.

Então, olhando para o segmento de meios de pagamento, com o que se tem de informação até agora, nós acreditamos que a tendência é que as operações de débito diminuam progressivamente ao longo dos próximos anos. As projeções de receitas vindas dessa vertical devem ser fortemente reavaliadas. No que tange a crédito, enquanto não existirem soluções PIX para essa operação não temos subsídios para tecer uma opinião fundamentada, só podemos dizer que estas novas tecnologias podem ser um risco para os adquirentes no longo (ou médio?) prazo.

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