Estratégias Tributárias Internacionais: O que os balanços mostram?
A Citrosuco, uma das maiores empresas do setor de suco de laranja no mundo, apresentou um faturamento de R$ 5 bilhões em 2024. No entanto, ao analisar seus números, uma questão inevitável surge: como uma empresa desse porte registra prejuízos recorrentes ano após ano? São 4.6 bi de prejuízos acumulados.

Mesmo operando com prejuízo, a Citrosuco continua expandindo seus investimentos. O imobilizado da empresa cresceu 38% de 2018 pra cá. O que motivaria essa decisão? Numa primeira análise não parece fazer sentido econômico.

Seria uma estratégia bem planejada da empresa, uma questão estrutural do setor ou simplesmente desafios operacionais? Ao explorar os dados da empresa na Klooks, algumas hipóteses começam a surgir – desde o alto custo da dívida até possíveis estratégias de gestão tributária.
O panorama financeiro da Citrosuco
A Citrosuco, uma das maiores empresas do setor de suco de laranja, apresenta um cenário financeiro que chama atenção. Apesar de um faturamento consistente na casa dos R$ 5 bilhões nos últimos anos, a empresa acumula prejuízos recorrentes, o que levanta dúvidas sobre sua estrutura de custos e estratégias operacionais.
Ao analisar os dados disponíveis na Klooks, observamos uma tendência de crescimento da receita desde 2018, porém acompanhada por margens operacionais apertadas e um custo elevado de endividamento, que impactam diretamente os resultados líquidos da empresa.
Nos últimos anos, os principais indicadores financeiros da Citrosuco revelam o seguinte panorama:
- Receita Líquida: Apesar do crescimento da receita de 2019 a 2023, houve uma leve retração em 2024, mesmo com o aumento expressivo no preço do suco de laranja que quase dobrou no mercado internacional.
- Lucro Líquido: A empresa apresenta prejuízos sucessivos, com destaque para 2020, quando o resultado negativo ultrapassou R$ 1 bilhão, mas mesmo assim segue crescendo e fazendo investimentos.
- Margem EBITDA: Margens apertadas mas em geral positivas..
- Endividamento: Destaque para as despesas com juros de 2024 que foram de 21% a.a. em dólar.
A análise dos dados aponta que, mesmo com uma receita expressiva, a estrutura de custos e o endividamento elevado impactam a rentabilidade da empresa. Abaixo, observamos que a empresa gera EBITDA na maioria dos anos, porém esse valor nunca é suficiente para cobrir as despesas com juros.

O que mais chama atenção é o aumento abrupto das despesas com juros em 2024, especialmente porque esse valor não inclui os efeitos da variação cambial, que são contabilizados separadamente na linha de variação cambial.
Como podemos ver abaixo, a dívida e o risco da empresa não parecem ter subido tanto pra justificar esse aumento nas taxas de juros.

A empresa opera em um setor de alta complexidade, com forte dependência de fatores externos como câmbio, safra agrícola e preços de commodities no mercado internacional. A questão que fica é: até que ponto faz sentido manter uma operação que acumula prejuízos ano após ano?
Nos próximos tópicos, exploraremos algumas hipóteses para os prejuízos recorrentes e possíveis estratégias que a empresa pode estar adotando para enfrentar esses desafios.
Deixamos os balanços completos da empresa desde 2014 disponíveis no link abaixo:
Possíveis explicações para os prejuízos recorrentes da Citrosuco
A análise dos dados financeiros da Citrosuco revela que, na maioria dos anos, a empresa gera EBITDA positivo, demonstrando uma operação capaz de cobrir seus custos diretos e gerar caixa. No entanto, os prejuízos recorrentes são, em grande parte, resultado das elevadas despesas com juros, que acabam consumindo boa parte dessa geração de caixa.
Estrutura de endividamento
A Citrosuco, como produtora de uma commodity internacional, tem suas receitas indexadas ao dólar, o que significa que a maior parte de suas vendas está diretamente atrelada às oscilações cambiais. Dado esse contexto, não faz sentido a empresa captar dívida em reais, já que o custo do capital em moeda local é significativamente mais alto em comparação ao dólar. As notas explicativas do balanço indicam que a dívida da empresa é substancialmente captada em moeda estrangeira, o que sugere uma busca por menores taxas de juros e uma melhor gestão de fluxo de caixa.
No entanto, o balanço não especifica com quem foi captada essa dívida. Uma estratégia muito comum é a de captação de recursos por meio de uma de suas subsidiárias internacionais, pagando baixas taxas, que por sua vez empresta dinheiro para a matriz a “taxas brasileiras” deixando o lucro dessa operação financeira no exterior. Essa prática é legal e inclusive está regulada pela Lei nº 12.249/2010. Uma estrutura muito eficiente e amplamente utilizada é ter uma financeira em um paraíso fiscal como Cayman ou Bahamas, onde o imposto de renda é zero, assim deixando o lucro da operação lá.
Prejuízo contábil como ferramenta de planejamento tributário
Outro fator relevante é que a Citrosuco é controlada por dois grandes grupos econômicos: Votorantim e Grupo Fischer, ambos com presença global e operações diversificadas. Teriam sentido os prejuízos contábeis acumulados serem uma ferramenta estratégica de planejamento tributário.
Para esclarecer a questão, analisamos o balanço da Votorantim disponível na Klooks. A nota explicativa 19, referente aos tributos diferidos, confirma o aproveitamento de prejuízos fiscais, embora não especifique sua origem. Esse dado reforça nossa tese de que os prejuízos acumulados da Citrosuco podem estar sendo utilizados estrategicamente dentro do grupo. Deixamos o balanço disponível neste link:
Aumento abrupto do preço do suco de laranja não refletido nos resultados
A disparada dos preços do suco de laranja no mercado internacional, saindo de 220 centavos para 476 centavos por libra em 2024, levanta uma questão intrigante: por que o faturamento da Citrosuco não acompanhou esse movimento? Ele foi praticamente igual em 2023 e 2024.
Fonte: Klooks e Investing.com
A produção brasileira de 2024 foi castigada por uma combinação de secas e pragas, causando uma quebra de produção que fez o preço mundial subir. Num primeiro olhar até parece que a Citrosuco estocou muito pela conta Estoques do balanço patrimonial (foi de 930 milhões para 2,1 bi). No entanto, os preços subiram muito em 2024 e colocando em paridade de preços, o estoque permaneceu praticamente inalterado em volume.

Nossas análises indicam que em 2024 a produção foi de 40-50% inferior que 2023, por conta da crise com pragas e secas. Por isso, apesar do aumento de preços, o faturamento seguiu muito parecido.
O salto nas taxas de juros pagas
Nos últimos anos, o custo médio da dívida da Citrosuco manteve-se relativamente estável, oscilando entre 6% e 8% ao ano, com uma exceção em 2020, quando a pandemia pressionou a taxa para 13,3%, algo compreensível diante do cenário global de incertezas. No entanto, em 2024, o custo da dívida disparou para 21% ao ano, representando mais do que o dobro dos níveis anteriores.
A maior parte da dívida da empresa está denominada em dólar, o que torna esse aumento ainda mais intrigante, dado que as taxas de juros internacionais não sofreram um salto proporcional no mesmo período. Isso levanta uma questão central: o que pode ter causado essa elevação abrupta no custo da dívida da Citrosuco?

Aumento do endividamento
Embora a dívida da empresa tenha crescido nos últimos anos, esse aumento foi moderado, sem uma expansão significativa que justificasse um salto tão expressivo nas taxas de juros. Normalmente, um crescimento elevado do endividamento levaria a um maior risco percebido pelos credores, pressionando as taxas. No entanto, os dados indicam que o montante total da dívida não teve uma escalada proporcional ao aumento da taxa, sugerindo que esse não seja o único fator explicativo.
Estratégias tributárias via dívida com subsidiária internacional
Uma possibilidade é que a empresa esteja utilizando uma estratégia fiscal por meio de suas subsidiárias no exterior. Paraísos fiscais oferecem condições favoráveis para operações financeiras internacionais, permitindo que grupos globais utilizem taxas de juros mais elevadas em transações intercompany para reduzir a base tributável no Brasil. Importante frisar que essa estratégia não é ilegal e pode ser conduzida de maneira legítima se obedecidas todas as regras.
Esse tipo de estratégia funciona da seguinte forma:
- A subsidiária estrangeira concede empréstimos à matriz brasileira com taxas mais altas.
- A despesa financeira resultante reduz o lucro tributável da empresa no Brasil.
- Os juros pagos acabam sendo reconhecidos como receita em uma jurisdição com carga tributária mais favorável.
Como mencionado anteriormente, acaba tendo sentido para empresas muito grandes terem uma financeira em um paraíso fiscal, captando dinheiro em dólar mas emprestando com o maior spread possível, assim reduzindo o imposto de renda no Brasil. O incentivo acaba naturalmente sendo tentar deixar o máximo de lucro possível no paraíso fiscal.
É importante destacar que essas estratégias são legítimas e amplamente utilizadas por empresas globais dentro do arcabouço regulatório vigente.
Fatores externos e renegociações de dívida
Outra hipótese envolve renegociações contratuais desfavoráveis em função de eventos externos, como a volatilidade cambial, dificuldades operacionais e desafios enfrentados pela safra de laranja. A quebra de safra e a menor produtividade podem ter impactado negativamente as projeções de receita da empresa, aumentando a percepção de risco por parte dos credores (mesmo que façam parte do mesmo grupo econômico). Caso esses fatores tenham gerado incertezas quanto à capacidade de pagamento, os credores poderiam exigir taxas mais altas para compensar o risco de inadimplência e a possível fragilidade das garantias oferecidas.
Por que manter prejuízo no Brasil pode ser vantajoso?
Dado o contexto, é possível que manter prejuízo contábil no Brasil seja uma decisão estratégica válida por diversos motivos, tais como:
- Redução da carga tributária consolidada: Compensando lucros das controladoras no país.
- Eficiência na gestão de capital: Utilizando estruturas internacionais para distribuir passivos e ativos entre diferentes subsidiárias.
- Incentivos governamentais: Empresas em prejuízo podem ter acesso a subsídios, linhas de crédito mais baratas e incentivos fiscais.
- Preservação de caixa: Priorizar o fluxo de caixa para subsidiárias internacionais, onde a tributação pode ser mais favorável.
Com base nas informações disponíveis, essas hipóteses sugerem que os prejuízos recorrentes podem estar atrelados a uma estratégia financeira e tributária bem planejada, em vez de apenas dificuldades operacionais.
Pesquisando na Klooks vemos que outras empresas do setor apresentam características bem semelhantes de prejuízos acumulados históricos, altas taxas de juros em dólar e nível de endividamento semelhante. Neste link deixamos os balanços da Timbaúba e da Louis Dreyfus Sucos desde 2009 disponíveis:
Confira o Podcast da Klooks sobre a Citrosuco:
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